O Beijo

Estranhamente aquele sábado começou diferente!

Se o celular despertou, mais uma vez não ouvi...

Apressado e assustado, pulei da cama rindo de mim mesmo - essa é a diferença. Já virou rotina acordar atrasado e ir pra Universidade de moto-taxi. Em sete dias, aquela fora a quarta vez, mas a primeira que eu saia da cama rindo!

Como sairia direto da faculdade para o estúdio, não pude usar boné para esconder o cabelo, praticamente raspado no dia anterior. Aos risos da turma fora da sala, vinte minutos depois, já estava trocando cigarros por cafés com as meninas da limpeza.

Se eu soubesse que o professor chegaria com trinta minutos de atraso, não teria saído tão apressado. Fato é que já tinha assinado a lista de presença. Olhava a sala e a turma, mas não estava lá - pelo menos não me sentia lá.

Em questão de minutos, efetivamente saí disposto a passar a manhã do sábado na cantina, na beira do lago.

Meu coração acelerou quando notei um certo rosto se destacando entre tantos que resolveram tomar a mesma atitude de passar a manhã na "UAI".

Daquele rosto surgiu um sorriso... ruborizei!! Imediatamente lembrei do cabelo raspado. Pensei se aquele seria o sentimento do personagem do patinho feio.

De alguma forma tinha que garantir que ficariam mais tempo comigo, a coca foi a alternativa possível.

Meus olhos azuis se fundiam no castanho daqueles olhos, criando uma nova cor: azul-castanho ou castanho-azulado.

A beira do lago... o rosto me olhando... O tempo parou!!!

Pessoas falavam coisas que não conseguiam prender minha atenção.

Num lapso ou devaneio meu, o rosto sumiu.

Tentei olhar em todas as direções, mas não encontrava aqueles olhos castanhos em lugar nenhum.

Nesse instante algumas pessoas começaram a falar sobre surdez, língua de sinais, algo como um vídeo a ser produzido que envolve um surdo... me distraí com a conversa, sempre atento sobre onde poderiam estar aqueles olhos que não correspondiam aos meus olhares.

Quando localizei o rosto novamente, estávamos ainda mais à beira do lago...
Poderia passar o resto do dia naquela troca de olhares... piscadelas... mas era hora de ir embora. A manhã passou com uma velocidade absurda. Acho que entendo a lei da relatividade: três horas podem parecer três minutos, ou o contrário!
O aglomerado de gente no ponto de ônibus fez passar um frio na espinha: e se entre tantas pessoas meus olhos não enxergarem aqueles olhos castanhos? E se o ônibus lotado nos afastar?

Entre tantos rostos diferentes, só queria estar perto, ou pelo menos enxergar aqueles olhos castanhos!!!

E eis que o destino conspira a meu favor: o ônibus parou exatamente na minha frente. Entrei rápido e garanti a última poltrona. "Casualmente" aquele rosto sorriu, sentando ao meu lado...

Pelo menos seriam mais alguns minutos em sua companhia.
Entre sorrisos e brincadeiras, os olhos se cruzam... As bocas se aproximam... os lábios se abrem... Por alguns segundos tudo para mais uma vez!!! E... um beijo acontece... mesmo sem acontecer!!!

Um beijo doce, demorado, molhado...

Um beijo proibido!!!

Um beijo...

Os olhos continuam presos!!!
Aquele beijo roubado, proibido, há tempos planejado.. foi o beijo mais doce que meus lábios já sentiram.

Desci do ônibus e mal ouvia o que minha amiga dizia...

Inebriado... extasiado...

Cá estou!! Contando as horas para poder olhar novamente aqueles cativantes olhos castanhos!!!

Eh bom estar de volta!!!