sábado, 25 de abril de 2015

Segunda aula

Eu falhei!! Prometi ser assíduo aqui e postando com maior frequência, contudo fui displicente. Ainda que com um leve atraso, vamos à descrição do que e como foi minha segunda aula daquele que se tornou meu desafio. Em função de algumas atividades da escola na quinta e como a turma não tem aula na sexta-feira, essas duas foram minhas únicas aulas. 
Na quarta-feira, então, tivemos uma experiência diferente. E diferente, inclusive, para os meus paradigmas. Sempre defendi em minhas aulas a inclusão total; alunos com deficiência devem aprender junto com a turma regular. Por outro lado, sempre lembrei meus alunos que cada caso deve ser observado segundo suas particularidades. Nesse caso, a turma está em um nível de formar palavras e meu aluno não reconhece sequer as letras.
Enquanto esperava o sinal bater para o início das aulas, entre os goles de café, os mesmos pensamentos que me seguiram desde a primeira aula: como proceder? Já tinha pensado em todas as estrategias durante o dia... mas aquilo me atormentava. Estariam elas adequadas? Seriam o ideal? Decidi encarar a velha e conhecida fórmula tentativa-erro-acerto.
Sendo assim, para trabalhar o alfabeto e para que ele entenda o que é A, B, C...Z, consegui uma sala individual. Apenas ele e eu, repetindo, insistentemente, letra por letra, em português e em língua de sinais.
Enquanto ele fazia as atividades de preencher o alfabeto com as letras que faltavam, percebi o quanto sua aprendizagem é mecânica. Com a folha do alfabeto completo, copiava sem o menor problema. Sem essa ajuda, chegava, no máximo até o B.
Mudei a dinâmica. Alunos gostam de escrever no quadro. Parece que lhes confere certo poder, importância... na minha época de escola eu odiava ir pro quadro, mas percebi que ele ficou eufórico com a ideia. Trocamos de lugar e brincamos de ele-professor e eu-aluno. Copiou o alfabeto no quadro e passou a me mostrar os sinais correspondentes de cada letra. Mais uma vez, com a ajuda da folha, fazia perfeitamente. Sem essa ajuda, ficava totalmente perdido. Observar isso me fez entender que deixá-lo na turma regular não trará muitos benefícios, uma vez que ele insiste em apenas copiar o que a professora passa no quadro. A turma está na família da letra P (pato, pipoca, pé, pássaro). Ele sequer sabe o que é P.
Desde o início eu encarei essa tarefa como um desafio pra mim mesmo. Não tenho o dom da paciência e penso que jamais serviria para alfabetizar. Aceitei esse desafio por entendê-lo muito mais como um objeto de estudo sob o ponto de vista da comunicação, do que necessariamente do letramento.
Parece que vai ser mais difícil do que eu imaginei. Como ele não conhece LIBRAS e nem as palavras, fica complicado até mesmo explicar o que eu quero que ele faça. Escrever não adianta. Assim, ele apenas repete os movimentos das minhas mãos e me olha com um sorriso largo, que desconcerta minha falta de paciência.
Ao final, tentei mostrar as 9 letras do seu nome. Mas ele sequer sabe que tem um nome. Ou o que significa ter um nome. Ele identificou algumas com facilidade, outras, no entanto, confundiu completamente, chutando aleatoriamente. Ele sequer consegue perceber as letras repetidas em seu próprio nome.
Enfim, chegamos, sem confusões, à letra E. 
Não sei se é bom ou ruim. É difícil mensurar. Ensinar LIBRAS, por exemplo, para uma turma de universitários, alfabetizados, é muito fácil. O mesmo com a Educação Especial. Estava habituado a jogar discussões mais profundas com meus alunos. A tratar de "temas", legislação, práticas, não necessariamente de "letras".
Fato é que, enquanto esse "desafio" não conhecer as letras, não poderei tratar de formação de palavras. Infelizmente, faz falta uma sala de recursos durante o dia, para que ele possa aprender esses conteúdos naquele espaço e, à noite, acompanhar o ritmo da turma. Como isso não é possível, eu insisto em trabalhar individualmente com ele.
Terminei a noite exausto! Saí da escola pensando no quanto somos mecânicos e repetitivos em nosso cotidiano. Quantas vezes agimos sem pensar de fato no que fazemos. Não falo do ponto de vista da moral ou da ética. Mas do ponto de vista do instinto de fazer, sem entender de fato o que se faz. Enfim, isso é outra discussão, apenas um devaneio que me ocorreu enquanto observava meu "desafio" reproduzindo aqueles desenhos sem sentido, que comumente chamamos de letras ou, em seu conjunto, o alfabeto.
Pois bem, embora seja muito mais cansativo, não estou desanimado e não desanimarei tão fácil. Esse objeto de estudo, essa experiência ou esse "desafio", como defini, certamente me servirá (e muito) no futuro.
E eu sigo treinando os limites da minha própria paciência!!!

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