segunda-feira, 20 de abril de 2015

Um desafio interessante

Na última aula de Educação Especial, passei para meus alunos o filme Marie Heurtin, uma menina que nasceu surda e cega. Baseado numa história real, o filme evidencia os desafios que uma freira se coloca para alfabetizar o que ela chama de "uma alma aprisionada na escuridão".
Quis o destino, que na mesma semana, uma amiga que trabalha educação de jovens e adultos aqui em Palmas me procurasse para pedir ajuda sobre como trabalhar com um aluno que é surdo, mas não conhece nem a língua de sinais e nem a língua portuguesa. Esses imbróglios que a inclusão pressupõe no campo da educação. O aluno frequenta todas as aulas, mas não aprende absolutamente nada.
Como a Universidade entra em recesso pelo final do semestre - calendário atrasado pelas sucessivas greves nos últimos anos, acabei aceitando o desafio de participar de algumas aulas para tomar conhecimento da situação e poder ajudar de uma forma mais eficiente. Dessa forma, hoje (20/04/2015), participei da primeira aula e cheguei à conclusão que alfabetizar, de fato, não é minha praia.
No entanto, essa é uma situação diferente. Não teria paciência e disposição para ensinar o bê-a-bá para pessoas ouvintes. Mas esse caso, não se trata apenas da alfabetização, mas de estabelecer um canal de comunicação; e isso me fascina.
Cheguei à escola acompanhado dessa amiga, professora da turma e, como não poderia ser diferente, fui recebido com aqueles olhares de "quem é esse?". Para minha felicidade, a turma tinha apenas 8 alunos e o meu novo desafio, sempre presente.
Depois de apresentados, trocamos algumas frases em LIBRAS, fui o mais simpático que pude, sempre sorrindo e percebi que o rapaz é muito sociável. É um bom começo!!!
Ele não soube me dizer seu nome, tampouco sabia o que significava essa expressão. Mas mostrou todos os conteúdos que havia copiado no caderno. Não preciso dizer que a letra dele é mais bonita que a minha né? Qualquer pessoa que saiba escrever tem a letra melhor que a minha...
Fiquei observando a agilidade e a destreza que o rapaz tem em copiar palavras, frases e conteúdos inteiros, apenas repetindo as letras, como se fossem desenhos abstratos, que não fazem sentido algum.
Sempre ouvi aquelas frases prontas de que a educação é libertadora e tal. No entanto, hoje tive total compreensão do quanto o sistema também é opressor. Sem se preocupar com aprendizagem de fato, aquele aluno estava apenas cumprindo formalidade, como se frequentar uma escola fosse um ritual a ser seguido.
Trabalhamos intensamente o alfabeto, treinando os sinais em LIBRAS e as letras correspondentes em português. Percebi certa dificuldade dele em assimilar e principalmente em diferenciar maiúsculas e minúsculas. Fiz ele escrever seu nome em todas as folhas de atividades da noite e, ao final, fiquei feliz em perceber que ele já identificava, pelo menos, as letras que compunham o seu nome. Fiquei ainda mais surpreso quando, voltando do intervalo, percebi que ele estava sentado em seu lugar, treinando o alfabeto em LIBRAS e olhando meticulosamente para a configuração de suas mãos.
Trabalho com surdos desde 2004, mas sempre com crianças e jovens que já conheciam a língua de sinais. Tenho certeza que esse é um dos desafios mais interessantes que já tive na vida. Para mim, uma oportunidade muito maior de aprender do que para ele mesmo.
Não sou religioso, mas lembro de uma frase do Padre Fábio de Melo, em que ele dizia "quem me dera pudesse compreender os segredos e mistérios dessa vida, esse arranjo de chegadas e partidas; essa trama de pessoas que se encontram, se entrelaçam e misturadas ganham outra direção."
Essa oportunidade surge no momento em que eu questionava e buscava um sentido e uma direção. O destino parece gostar de bagunçar minha cabeça. Aceitar esse desafio, ainda que no recesso das atividades da Universidade, tenho certeza que vai me ajudar a compreender muito mais a dimensão da educação especial para ajudar meus alunos no próximo semestre e, certamente, me fará contemplar a vida em todos os seus mistérios.
Vamos ver como esse meu desafio se descortina. Esse foi apenas o primeiro passo. Mas é gratificante poder colocar em prática o que venho tentando ensinar (na teoria) para os meus alunos. Tentarei escrever sobre essa situação com maior assiduidade. No entanto, apenas registro esses primeiros passos, deixando evidentes minha euforia e minhas expectativas diante desse desafio que se descortina.
A recompensa? Bom, além da oportunidade de eu aprender com ele, ao final da aula o aluno estendeu a mão para nos despedirmos e, para minha surpresa, ganhei um afetuoso abraço. Nas palavas da professora, a alegria e o sorriso, mais evidentes que o habitual, mostraram sua satisfação.
Se Deus realmente existe, é nos detalhes que Ele se encontra. São esses pequenos gestos gigantes, que não têm preço, mas têm seu valor!!!

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