sexta-feira, 21 de outubro de 2016

É preciso falar sobre amizades

Diz a canção que
Amigo é coisa para se guardar
Debaixo de sete chaves
Dentro do coração
Assim falava a canção que na América ouvi
Mas quem cantava chorou
Ao ver o seu amigo partir
Mas quem ficou, no pensamento voou
Com seu canto que o outro lembrou
E quem voou, no pensamento ficou
Com a lembrança que o outro cantou

Quando eu estudava na quinta série [sim, sou da época que se chamava série e não ano] ganhei uma medalha do meu melhor amigo. Seu avô teria ganho aquela medalha por ter lutado na Segunda Guerra Mundial. Era um objeto com um valor sentimental muito intenso, que recebi como símbolo de uma amizade sincera e verdadeira.
Nos distanciamos, a vida nos definiu rumos diferentes e o destino nos afastou. Hoje, não sei se o meu "melhor amigo" da quinta série está casado ou solteiro como eu, em que lugar está morando, não sei em que área trabalha. Nem sequer sei se está vivo ou morreu, a exemplo de alguns outros amigos da mesma época.
Quantas amizades você já imaginou que seriam para a vida inteira e hoje vocês sequer conversam? Quantos exemplos você consegue enumerar de pessoas com quem você trocava confidências, os seus mais íntimos segredos, e hoje são verdadeiros desconhecidos? Ou, ainda, quantas pessoas se distanciaram de você ou você delas pelos motivos mais fúteis?
É preciso falar sobre amizades... esse sentimento estranho que em um momento está aceso, intenso e o tempo ou outras circunstâncias acabam esfriando.
Nenhum ser humano é uma ilha. Nós precisamos de pessoas que andem ao nosso lado "nessa longa estrada da vida". A presença desses seres ilustres, verdadeiros anjos na terra, tornam essa caminhada mais alegre, mais leve, mais significativa.
Precisamos de pessoas, além da nossa família, que nos encorajem nos momentos difíceis, que chamem a nossa atenção quando cometemos algum deslize ou pisamos na bola. As conquistas têm um gosto muito mais especial quando compartilhadas com outras pessoas e as dores ou angústias se tornam menores quando divididas, também.
É bem verdade que, muitas vezes, acabamos depositando confiança ou criando expectativas demasiadas sobre as pessoas; ou elas sobre nós. Amizade é uma palavra importante demais para ser usada com qualquer pessoa que compartilha algum momento da nossa vida. O grande problema é que nos deixamos levar pela emoção das impressões. Conhecemos alguém, estabelecmeos uma relação de afinidade e no mesmo instante classificamos esse conhecido ou colega como "amigo".
Talvez as redes sociais tenham influenciado essa nossa atitude. A pessoa curte alguma publicação nossa, seja uma foto, uma opinião ou por achar "interessante" nos envia uma solicitação de amizade (ou vice-versa). Imediatamente a pessoa é adicionada à nossa lista de "amigos". Talvez, ainda, a língua portuguesa falhe por não existir uma palavra que melhor defina esse "purgatório social", um estágio um pouco mais que conhecido e um pouco menos que amigo, no sentido legítimo da palavra. Com isso, acabamos criando a ilusão de termos muitos "amigos".
Por falar em redes sociais e amizades, desde que publiquei selfies e manifestações de apoio a um político controverso no cenário brasileiro, muitos desses "amigos" me excluíram das suas redes sociais. Algumas pessoas, com as quais tenho a insatisfação de ainda ter que conviver na vida real, chegaram a me bloquear nessas redes. Isso de forma alguma me abala ou me incomoda. Temos que aprender que amizade não é definida apenas pela convivência. As pessoas com as quais convivo não são necessariamente meus melhores amigos. Por motivos de estudo, trabalho ou outros fatores, somos obrigados a conviver. Não escolho meus amigos (no sentido real da palavra) por torcerem pelo Grêmio (e eu lembro dos "amigos" de Porto Alegre, no tempo do Orkut, quando íamos para o estádio assistir aos jogos nas tardes de domingo), nem por motivos religiosos ou ideológicos. Essas relações traduzem afinidades, mas não estabelecem necessariamente uma amizade. O problema é que falta uma palavra que defina essa relação com maior propriedade.
Para mim, amizade não é algo que se escolhe, mas sim, se estabelece. Como? Pois bem, eu não escolho uma amizade como alguém escolhe um pedaço de carne no açougue ou um perfume, pelo cheiro. A amizade propriamente dita se estabelece a partir do caráter, do comportamento, da reciprocidade e do papel que essas pessoas têm na minha vida. É um processo de construção! Isso explica o fato de muitas pessoas irem, enquanto outras tantas ficam na minha vida, independente da distância geográfica.
Por isso, mesmo que eu tenha um perfil no Facebook, por exemplo, com cerca de 5 mil "amigos", a imensa maioria dessas pessoas não passa de "apenas conhecidos" e, conscientes disso ou não, eu também não passo de apenas um conhecido para elas também. O vai e vem (adição e exclusão) em redes sociais é algo natural para mim. Entendo bem e sei quem são as pessoas que têm alguma importância na minha vida; quem são as pessoas que eu apenas convivo, quem eu conheço e quem eu de fato considero amigo e carrego do lado esquerdo do peito.
Não é feio ou errado classificar ou rotular as pessoas nesse sentido. Feio é criar expectativas (em nós ou nos outros) e acabar "quebrando a cara". Assim como não é difícil conhecer pessoas, a questão é fazer com que fiquem na nossa vida pelo que somos ou apesar do que somos. Esses sim são os verdadeiros amigos.

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