domingo, 13 de novembro de 2016

"Na minha época"

Começar com um título "na minha época" só pode remeter à nostalgia da minha infância feliz. Talvez! Apesar de não poder reclamar da minha infância, é um verdadeiro milagre que a minha geração tenha dado certo ou, pelo menos, tenha sobrevivido.
O mundo passou a ficar chato após a virada do milênio. Não sei que raios pode ter acontecido, mas o tal "bug do milênio" transformou a humanidade.
Para quem não conheceu a expressão, se acreditava que ao chegar o ano 2000 todos os sistemas digitais e tecnológicos sofreriam um verdadeiro bug, uma vez que trabalhavam com datas de dois dígitos e o 00 remeteria ao retorno do início do século XX. Não seria apenas um problema de data, mas os sistemas financeiros calculariam juros negativos, investidores e empresas iriam à falência, o bug causaria sérios problemas econômicos e daí por diante. Fato é que nada disso aconteceu. Ao menos não do ponto de vista econômico! No entanto, aconteceu alguma coisa com a humanidade. Usando uma expressão atual, as pessoas ficaram mais "mimizentas".
Quem teve a infância e a adolescência entre os anos 1980 e 1990 sabe muito bem do que eu estou falando.
Na minha época era comum brincar na chuva. Lembro, inclusive, que minha mãe algumas vezes me colocava na chuva para brincar. Isso era saudável. Hoje, quem tomar uns pingos de chuva já pega uma pneumonia das brabas.
Resultado de imagem para crianças brincando na ruaEra comum brincarmos na rua até escurecer e até mesmo depois de escurecer. Não faço ideia de quantas vezes ouvi minha mãe gritar meu nome, mandando entrar que já estava escuro. Não tinha carro preto ou dois elementos em uma moto tocando terror e podíamos brincar tranquilamente sem medo de sequestro, assalto ou qualquer coisa do tipo.
Sou do tempo em que as músicas infantis eram absurdamente politicamente incorretas. Quem lembra do "nana neném que a Cuca vem pegar. Mamãe foi pra roça e papai foi trabalhar"? Ou, "atirei o pau no gato, mas o gato não morreu. Dona Chica admirou-se do berro que o gato deu"? Outra bem conhecida dizia "boi, boi, boi, boi da cara preta, pega essa criança que tem medo de careta".
Ora, eu tenho que ficar sozinho em casa, meus pais saíram e a Cuca ainda vem me pegar. Dormir como?? Achavam bonito estimular os maus tratos ao animais? O pior era a tal ad dona Chica observar admirada, sem tomar providência alguma. Para terminar, eu, bebê, tenho que gostar de caras feias, senão um boi preto vem me pegar.
Certamente, hoje nossos pais seriam denunciados ao Conselho Tutelar por abandono de incapaz, incentivo à violência, negligência e maus tratos com crianças.
Mas sobrevivemos... 
Resultado de imagem para crianças brincando na ruaSubíamos nas árvores mais altas; seja para brincar, como também para fugir dos nossos pais. Teve uma vez que um grande pé de ameixa serviu como refúgio para minha melhor amiga e eu. Na ponta daquela árvore observávamos nossas mães, ao chão, com uma varinha na mão nos chamando para descer. Lembro que cheguei em casa depois da Dani e, com certeza, só não apanhei porque minha mãe ouviu o choro de dor das varadas que ela tomou e ficou com pena. Dei sorte de ter demorado um pouco mais e por morarmos bem perto. Mas fiquei com pena e com medo de que acontecesse o mesmo comigo.
Não tínhamos medo de pessoas desconhecidas e as leis eram menos rigorosas. Quando eu tinha 13 anos, viajei com minha irmã e uma prima para visitar uma tia que morava em outro Estado. Eu, do alto dos meus 13 anos, sendo responsável por uma viagem de Santa Catarina ao Paraná, cuidando da minha prima de 11 anos e minha irmã de 9. Quanta irresponsabilidade (dos nossos pais, óbvio). Só sobre essa viagem renderia um texto completo. Naquela época, nem existiam celulares ainda. Se existiam, eram aqueles "tijolões", que só serviam para fazer ligação mesmo. As fotos eram tiradas em câmeras com filmes que eram revelados depois. Na frente da casa da minha tia tinha uma lombada. Minha prima de 11 anos parava os carros na lombava para tirar fotos dos motoristas em uma câmera sem filme! E os motoristas paravam, sorriam, buzinavam e continuavam... sem riscos, sem "mimimi", sem maiores problemas.
Foi nessa mesma viagem que minha irmã e minhas duas primas me trancaram num quarto com uma menina surda tarada. A vizinha!!! Enquanto eu tomava banho, fecharam a porta, levaram a chave, e deixaram a menina esperando eu sair apenas de toalha. Assim, eu, um garoto de 13 anos e a vizinha de 12 pudemos conversar tranquilamente sobre política, religião, futebol e ainda estudamos a fórmula de Bhaskara (xis igual menos bê, mais ou menos raiz quadrada de bê ao quadrado menos quatro a, cê, sobre dois a).
Na minha época, também, tinha um campinho de futebol bem perto de casa. Todos os dias eu ia jogar com alguns amigos. O jogo só acabava quando escurecia e não dava mais para enxergar, ou quando me irritavam. Nesse caso, eu simplesmente pegava a bola e ia embora. Como era bom ser o dono da bola naquele tempo!!! Eu nunca perdia. Eles sabiam que se eu perdesse de muitos gols, eu terminava o jogo.
Usávamos a imaginação de verdade. Uma grande vara de bambu se transformava num lindo cavalo de corrida. 
Resultado de imagem para crianças imaginaçãoNa minha época, quem tinha caixa de lápis de cor com 36 cores dominava a escola. Isso sim era ostentação. Praticávamos e sofríamos bullying e ninguém ficava com peninha ou reclamando.

Que época... que geração!!
Tenho verdadeiro orgulho das cicatrizes que carrego, das marcas dos pontos levados na testa e no queixo, como herança dessa minha época.
Uma pena essa geração atual apenas ouvir falar de um mundo tão colorido e tão mais divertido.

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